No Eleitor do Futuro de Arcoverde, as batalhas que criam heróis
Duas meninas do Sertão pernambucano contam suas histórias de vida e emocionam a plateia no evento do TRE
Reza um antigo ditado hindu: "Quando o aluno está pronto, o mestre aparece". Para além das frases feitas dos manuais de auto-ajuda, a máxima traduz aquela certeza de que quando alguém luta verdadeiramente pelo o que deseja, sempre encontrará quem o oriente, quem o ampare.
Na última edição interiorana do Eleitor do Futuro em 2018, duas jovens moradoras de Arcoverde mostraram que, sim, obstáculos existem e sempre existirão. Mas sempre podem ser superados. Eis a essência do Eleitor do Futuro: a transformação de dificuldades em oportunidades.
O EVENTO
Manhã da última quinta-feira, 24 de maio. Enquanto a incerteza da crise dos combustíveis cria mais uma incógnita política e econômica no Brasil, nas dependências da Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde (Aesa) Andreza Kamila Farias da Silva e Sara Castro Batista contam suas histórias de vida. E emocionam a todos que ali estão.
Antes, uma pequena contextualização. Coordenado pela Escola Judiciária Eleitoral (EJE) do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE), o Programa tem o objetivo de levar às escolas da rede pública e particular de Pernambuco, por meio de atividades lúdicas e pedagógicas, a temática da cidadania política e sua importância nos regimes democráticos de direito. O TRE-PE já levou o Eleitor do Futuro para mais de 50 mil estudantes no Estado. Em cada encontro, um sentimento diferente. O de Arcoverde ficará marcado pela emoção.
Voltemos ao Sertão. Centenas de alunos de oito escolas da região estão presentes no Eleitor do Futuro de Arcoverde. O presidente do TRE-PE, desembargador Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, que frequentemente faz menção à máxima hindu que abre este texto, inicia o encontro com um chamamento. "Mesmo com a dificuldade de nos locomovermos hoje [referência ao movimento grevista que paralisou as estradas], estamos aqui. E eu estou aqui para dizer que é a geração de vocês, estudantes, que vai mudar este País. É a geração de vocês que vai transformar este País num lugar melhor para se viver."
Diretor da EJE, o desembargador Delmiro Campos também faz referência à falta de gasolina para falar sobre desonestidade e a solidariedade. Afirma que no Recife um dono de posto aproveitou o desespero do consumidor por combustível e elevou absurdamente os preços. Enquanto isso, um outro empresário do setor, em Pesqueira, não apenas manteve os preços como criou cotas de venda para que o conjunto dos consumidores não fosse lesado. Delmiro Campos transforma sua comparação numa analogia sobre o compartamento humano. E aconselha aos estudantes. "Precisamos ser solidários. Não podemos dar uma de espertos porque isso é nocivo, prejudica a todos."
Após a fala do desembargador, Kátia Galindo, da Assessoria de Cerimonial e Assuntos Institucionais do TRE-PE, chama ao palco Andreza Kamila.
Estudante de Letras, magrinha, voz suave e sorriso fácil, ela começa a narrar uma saga pessoal. "Eu era tímida, muito tímida. Quando apresentava uma trabalho na escola, segurava a cartolina com as mãos tremendo...". Silêncio total no auditório.
"E eu sofria bullying porque era tímida e porque queria estudar. Cansei de chegar em casa chorando porque não aguentava mais as provocações. Para piorar, em 2010, perdi minha avó, a pessoa que mais me ajudava a ter força", contou Andreza.
No espaço ocupado por alunos, professores, servidores públicos, juízes e desembargadores na Aesa, muitos começam a chorar ao ouvir as palavras daquela jovem. Ela revela uma história que, embora desprovida de fatos espetaculares, é grandiosa em sua simplicidade. E nos faz pensar: "é uma dor que pode acontecer com qualquer um de nós, com nosso filhos ou netos".
Andreza continua. Diz que mudou de escola, perdoou seus perseguidores, foi bem acolhida pelos novos colegas e, suprema redenção, descobriu na poesia sua melhor forma de se expressar. Agora, a timidez dá lugar a uma bela desenvoltura em versos que enaltecem o homem do campo, calejado pelo clima e esperançoso pela chuva. O homem que, ao final da jornada de cada dia, agradece por ser matuto. "É preciso acreditar que nem tudo está perdido", finaliza a jovem após recitar seu poema.
Depois da apresentação de Andreza, novos versos ganham o ambiente, agora são versos de improviso de Victor Manoel, de 17 anos. A síntese de sua mensagem, curiosamente, parece um complemento do que disse há poucos minutos sua colega vítima de bulliying. Fitando a plateia de estudantes como ele, Victor manda seu recado. "Você nunca vai perder seu valor".
E eis que Sara Cristina Batista, aluna da Escola Senador Vitorino Freire, é chamada ao palco. Visivelmente emocionada por estar ali, diante de tantos amigos, tantas autoridades, professores e diretores, dá seu testemunho. Conta que veio de São Paulo para Arcoverde após a morte de um parente. E no Sertão pernambucano enfrentou com os pais e irmãos os infortúnios criados pela falta de oportunidades.
"Tive uma vida de dificuldades. Meu pai não tinha emprego e teve que puxar carroça para catar reciclados. Eu não pude estudar porque tive que cuidar de crianças. Tinha dias que era tanta briga na minha casa porque faltava de tudo. E eu pensava: 'não vou mais para a escola, isso nunca vai acabar", relembra, chorando e fazendo-nos chorar. Sara, então, contou a plateia que as coisas foram se ajustando, se ajustando e ela voltou à escola. Hoje é presidente do grêmio estudantil e de outras entidades representativas dos estudantes.
Como toda história de superação é recheada de sonhos, Sara revelou o seu. Inspirada numa palestra do servidor do TRE-PE Álvaro Pastor, decidiu que será juíza de direito. Ao lado de Eduardo Japiassu e Jeovane Ramos, Pastor é dos servidores que participam de encontros, palestras, conversas com os alunos nos dias que antecedem a solenidade formal do Eleitor do Futuro. Ouvindo Álvaro Pastor, Sara teve um daqueles insights que por vezes são suficientes para nos dar um norte. Após narrar sua história, ela canta uma bela canção que exalta o amor e a necessidade de nunca desistir.
Crise de combustível, desabastecimento, corrupção, intolerância política. Quem participou do último Eleitor do Futuro, em Arcoverde, ouvindo aqueles jovens que estão começando a vida e aprendendo com eles como driblar tanta desdita, certamente recebeu no rosto uma lufada de vento fresco, uma esperança de dias melhores. Mesmo em tempos tão difíceis.
COMPLEMENTO
Além das pessoas citadas neste texto, participaram do Eleitor do Futuro em Arcoverde: o vice-presidente do TRE-PE, desembargador Agenor Ferreira de Lima Filho; o corregedor do TRE-PE, Alexandre Pimentel; o desembargador eleitoral Gabriel Cavalcanti Filho; a juíza eleitoral de Arcoverde, Mônica Wanderley Cavalcanti Magalhães; o juiz assessor da Corregedoria-Geral do TJPE, Marcus Vinicius Rabelo; o juiz da Vara Regional da Infância e Juventude da 14ª Circunscrição, Draulternani Melo Pantaleão, a diretora-geral do TRE-PE, Isabela Landim e a servidora da EJE Giovanna Dalla-Riva.
Também estiveram presentes a chefe do cartório eleitoral de Arcoverde, Jaqueline Feitoza; a diretora do Erem Senador Vitorino Freire, Isméria Gonçalves; a diretora do ETE Jornalista Cyl Galindo, Conceição Brandão; a diretora do Erem Carlos Rios, Maria do Socorro Santos Bezerra; a diretora do Erem Brasiliano Donino da Costa Lima, Maria Magalhães; a diretora do ETE Francisco Jonas Costa, Ana maria Siqueira, o representante da Secretaria de Educação, Reginaldo Amorim e o representante da Aesa, Alexandre Lira (nossos agradecimentos pela o espaço para a realização do evento);