93 anos da Justiça Eleitoral: uma trajetória de conquistas da evolução do Código Eleitoral brasileiro
A história da JE, criada com o Código, confunde-se com a do Tribunal Superior Eleitoral na consolidação da democracia
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Nesta segunda-feira, 24 de fevereiro, a Justiça Eleitoral (JE) completa 93 anos. Criada com o primeiro Código Eleitoral brasileiro (Decreto nº 21.076/1932), sua missão primeira foi estabelecer as bases para o pleno exercício dos direitos políticos no Brasil. As propostas visionárias instituídas pelo Código deram origem a um sistema eleitoral que, ao longo dos anos, evoluiu para um modelo moderno, eficiente e seguro.
Desde então, por meio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos tribunais regionais eleitorais (TREs) e dos juízes e juízas eleitorais, a JE passou a organizar as eleições e a julgar questões relativas à matéria eleitoral. Nesse processo, essa Justiça Especializada consolidou-se como um pilar essencial da democracia, assegurando a liberdade do povo na escolha de seus representantes.
Cenário político da época
Há 93 anos, o mundo passava por transformações e desafios. O Brasil vivia uma fase de transição, que, apesar das crises internas, estabelecia marcos importantes para o processo democrático. Os sistemas eleitorais existiam em diversos países em 1932, mas variavam muito em termos de participação popular, regras e transparência. A maioria das democracias ocidentais realizava eleições periódicas. Contudo, muitas nações ainda viviam sob regimes autoritários, em que o voto era restrito ou inexistente.
Havia eleições livres, até certo ponto, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e na Alemanha, onde começou a ascensão do nazismo. Os regimes autoritários vigoravam em países como Itália, União Soviética, Portugal e Japão, com eleições limitadas ou manipuladas (controladas).
No Brasil, a Revolução Constitucionalista de 1932 – movimento que combatia o autoritarismo do governo provisório de Getúlio Vargas – culminou na convocação das eleições para a Assembleia Constituinte de 1933. No ano seguinte, os deputados promulgaram a Carta Magna de 1934, abrindo caminho para eleições mais democráticas. Esses pleitos, coordenados pela recém-criada Justiça Eleitoral, já aplicavam importantes avanços previstos no Código, como o voto feminino (artigo 2º) e o voto secreto (artigo 56).
O voto feminino
A implantação do voto feminino no Brasil foi uma grande conquista trazida pelo Código Eleitoral. Apesar das restrições para algumas mulheres, a medida representou importante avanço na inclusão delas no sistema político brasileiro, permitindo que pudessem votar e ser votadas.
Embora o anteprojeto do Código Eleitoral tivesse incluído a exigência de autorização do marido para que uma mulher casada pudesse votar, essa cláusula foi removida no texto final aprovado. O Plenário do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, na época conhecido como TSJE, manifestou-se sobre o tema, afirmando que “as disposições acerca da incapacidade relativa da mulher não tinham efeitos sobre os direitos eleitorais”.
Inicialmente, o voto era facultativo para aquelas que não exerciam funções remuneradas, mas, na Constituição de 1946, quando o alistamento feminino se tornou obrigatório, as mulheres conquistaram a igualdade com os homens.
O processo eleitoral brasileiro firmou-se como um dos mais modernos do mundo. É também um dos mais amplos, pois garante a todo o eleitorado a partir dos 16 anos, independentemente de cor, orientação sexual, grau de instrução ou classe social, o direito constitucional de exercer sua cidadania por meio do voto.
Segurança democrática
A ideia de criar um ramo independente dentro do Poder Judiciário para cuidar exclusivamente das eleições surgiu da demanda social por processos mais limpos e confiáveis sem a ingerência dos Poderes Executivo e Legislativo.
O processo eleitoral exigia uma Justiça Especializada para implantar as inovações trazidas pelo Código, como o voto feminino, o voto secreto, o uso de máquinas de votar, a instituição do sistema representativo proporcional e a regulação, em todo o país, das eleições federais, estaduais e municipais.
Pela primeira vez, os partidos políticos foram mencionados em legislação eleitoral, que previu a obrigatoriedade do registro prévio de todas as candidaturas. Contudo, o Código recebeu muitas críticas pelas restrições impostas ao exercício do voto a uma parcela da sociedade: os analfabetos, os mendigos e os soldados de categoria inferior na hierarquia militar (praças de pré).
Cinco anos após sua criação, a JE foi extinta pela ditadura do Estado Novo de Vargas, em 1937. Só foi recriada com a redemocratização do país, em 1945. Essa retomada é a constatação do quanto a JE foi – e ainda é – imprescindível para assegurar a passagem para a democracia, mesmo em períodos turbulentos da história.
Com o restabelecimento das suas atividades, a JE seguiu avançando ao longo dos anos na profissionalização do serviço eleitoral. Vieram a padronização das cédulas, o fim do alistamento ex officio e a criação da folha individual de votação. No entanto, com a instauração do regime militar a partir do golpe de 1964, o processo foi lento. Apesar disso, naquele período, foi aprovada a primeira Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 4.740/1965), regulamentando o funcionamento das agremiações.
A abertura política iniciada em 1982 e o esgotamento do regime militar culminaram na eleição indireta de 1985, que elegeu o primeiro presidente civil do país desde 1964. Já em 1987, com a reunião da Assembleia Nacional Constituinte, começaram a ser esboçadas as novas páginas para a construção de um novo Estado Democrático, que foram consolidadas com a promulgação da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, ampliando o rol de direitos sociais e políticos.
Evolução da JE
A grande guinada da Justiça Eleitoral começou na década de 1980, quando o Brasil respirava novos ares democráticos. O país iniciava um processo de implementação de leis e emendas constitucionais aprovadas nos anos que se sucederam e culminaram na Constituição de 1988, bem como na edição de normas importantes para o seu aperfeiçoamento, como a Lei das Inelegibilidades e a atual Lei dos Partidos Políticos.
De lá para cá, houve a implantação do processamento eletrônico de dados, o alistamento eleitoral e a revisão do eleitorado. Os analfabetos reconquistaram o direito de votar e a idade mínima para os jovens votarem foi reduzida para 16 anos. Essas foram conquistas sociais que exigiam uma Justiça Eleitoral cada vez mais eficiente.
A partir daí, as ideias visionárias previstas no primeiro Código Eleitoral brasileiro, de 1932, começaram a tomar forma e evoluíram para um sistema sofisticado. Em 1994, com os eleitores organizados em um cadastro nacional, a JE fazia a primeira totalização de resultados das eleições completamente informatizada, com recursos computacionais próprios.
Foi um salto para o início da informatização da votação. Em 1995, estudos começavam a ser realizados e, em 1996, um terço do eleitorado brasileiro votou na urna eletrônica. A profetizada “máquina de votar” se torna, então, o grande símbolo da informatização eleitoral, em um processo possibilitado pelo uso das tecnologias, que também envolveu o recadastramento eleitoral e a apuração dos votos.
Ainda na esteira da evolução desse processo, a Emenda Constitucional nº 16/1997 possibilitou a reeleição para os cargos de prefeito, governador e presidente. A Lei das Eleições estabeleceu datas para a realização dos pleitos e os cargos em disputa. Por sua vez, a Lei da Ficha Limpa regulamentou as restrições à elegibilidade, impedindo que condenados por crimes graves, cassados ou que renunciaram pudessem concorrer em eleições, e a Lei das Federações Partidárias permitiu que dois ou mais partidos se unam para atuar como única legenda nas eleições e durante todo o mandato.
Aspectos normativos
Cabe à Justiça Eleitoral organizar esse conjunto de normas que direcionam a realização dos pleitos. Para isso, utiliza diferentes dispositivos, como as resoluções do TSE, que têm força normativa e regulamentam a aplicação das leis eleitorais, estabelecendo regras e procedimentos para eleições, partidos políticos, campanhas e prestação de contas, entre outros temas.
Já as súmulas do Tribunal vieram para solidificar a jurisprudência da JE sobre temas recorrentes no Direito Eleitoral. Elas padronizam a interpretação das normas, garantindo segurança jurídica e uniformidade nas decisões. Embora não tenham força vinculante, servem de orientação para TREs, juízes e advogados em processos eleitorais.